Solimar Silva
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Textos
Ele se jogou da janela do oitavo andar[1]. Nada é fácil de entender.[2]
 
    Ele se jogou da janela do oitavo andar do prédio onde morava na Barra da Tijuca. Jovem, bem-sucedido financeiramente, empreendedor, em um relacionamento amoroso estável. Vivia sorrindo, brincando, dançando. Foi o que me disseram. Pode ser que por não conseguirmos ver o que se passava por dentro. Como eu disse em texto anterior, dores há que não se veem. Me contaram que ele tinha transtorno bipolar. Talvez porque precisemos de uma explicação plausível.
    Outra se jogou de um prédio onde estava morando na Itália. Estátuas e cofres e paredes pintadas. Nada realmente foi fácil de entender.
    E ainda outro parou o carro na ponte Rio-Niterói e se jogou. Filho de um dos donos de rede de supermercados bem conhecidas do Rio de Janeiro há algumas décadas, era o típico playboy que tinha dinheiro suficiente para viajar o mundo todo e não fazer nada, se quisesse. E só aproveitar a vida! Como se apenas condições financeiras, saúde e jovialidade fossem condições para uma vida feliz!
    Sem contar com ela, tão sofrida e, creio eu, em tratamento para esquizofrenia ou algo assim, decidiu – não se sabe como – tomar chumbinho. E também se foi.
    E diariamente armas são disparadas; remédios, drogas e venenos são ingeridos; pulsos são cortados e contados como aliados nesse escape; prédios, pontes e trilhos de metrô viram testemunhas mudas, passivas. Eu disse diariamente. Todos os dias.
    Contudo, nem quando “essas coisas” acontecem perto da gente, geralmente não há conversa, discussão, sequer tentativa de se falar no assunto. Se a morte, algo tão natural ainda é um grande tabu, evitado, desviado, cortado por muitas pessoas (vire essa boca pra lá, pare de falar disso agora, olhe que as crianças estão escutando, não tem coisa melhor pra pensar?) imagine o suicídio!
    Geralmente a causa mortis é sussurrada quando se trata de suicídio. E isso só entre adultos, pois criança não deve se meter nesses assuntos. E parece haver murmúrios ricos em interjeições de grande espanto, também sussurradas, claro: Era tão novo! Logo agora que parecia tão feliz! Mas, ninguém nunca desconfiou de nada... Ela era linda demais! Poxa, com tudo pra ser feliz... Ah, tinha parado de tomar o remédio... Por que não pediu ajuda?
    Mais de um milhão de pessoas cometem suicídio anualmente. Vozes que se calam para os tantos porquês e torna tudo ainda mais difícil de entender. Dormem agora. Isso para as tentativas de suicídio que dão certo, por assim dizer. Há uma estimativa de dez a vinte milhões de suicídios anualmente em todo o mundo. Alguns só conseguem dar cabo à vida na segunda, terceira, quarta tentativa...
    E, ainda assim (ou talvez por isso mesmo), estima-se haver um suicídio em alguma parte do mundo a cada quarenta segundos.
     E ainda assim a gente se cala.
    Sempre achei estranho que alguém pudesse desistir da vida. E com tantas histórias que tenho ouvido de pessoas que se atiram de prédios, pontes, estações de metrô (sim, as histórias de suicídio ainda são preservadas, em sua maioria, pela mídia, mas a gente sempre fica sabendo de casos de pessoas próximas)... então, com tantas histórias, fiquei me perguntando se atirar-se não seria uma metáfora. A pessoa não está desistindo da vida. Talvez, ela busque atirar-se para uma nova perspectiva, jogar-se de onde está para um vislumbre de melhora, de livrar-se da dor na alma, monstro silencioso e cruel. Afinal, o que leva uma pessoa a atirar-se de qualquer lugar para tirar sua própria vida se não o desejo de atirar-se para além da dor que sente? Estava enganada quando penava que a pessoa desistia da vida. Atirar-se pode estar estreitamente conectado a uma esperança de que o que causa o sofrimento tenha um fim.
    Não sabemos como. Nem o porquê. Não temos a capacidade nem o direito de julgar, prever, tampouco ditar castigos eternos. E não podemos nos culpar quando acontece no seio de nossa família, no círculo de amizade, no âmbito profissional ou seja lá onde for.
     Mais de um milhão de suicídios por ano. Mais de dez a vinte milhões de tentativas que não chegaram a ser fatais. E quantos milhões de pensamentos suicidas rondam pessoas todos os dias de suas vidas? Quantas pessoas você conhece e que podem estar no limite entre atirar-se de janelas ou fechá-las para sempre?
    Que possamos estender mais atos de bondade, já que não podemos ler cartazes invisíveis de socorro que muitas pessoas estão carregando neste momento em que você lê este texto.
    Paremos de tratar a morte – e o suicídio – como assuntos proibidos. E que possamos, todos juntos, aprender como ajudar-nos uns aos outros a viver uma vida de valor, para que possamos todos ver maior sentido em valorizar a vida.
 

[1] Um ex-aluno (que estudou comigo em 1999 ou 2000) cometeu suicídio na semana passada. E decidi colocar no papel minhas reflexões. As quatro pessoas que menciono aqui no texto foram conhecidas, embora não íntimas, nem familiares ou de meu círculo de convivência. Mas, a notícia de seus suicídios me impactaram profundamente.
[2] Faço referências à letra da música Pais e Filhos, da Legião Urbana. Letra aqui: http://www.vagalume.com.br/legiao-urbana/pais-e-filhos.html
As fontes utilizadas são as seguintes:
Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio
ABC da Saúde: http://www.abcdasaude.com.br/psiquiatria/suicidio
O Globo: http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/uma-pessoa-no-mundo-comete-suicidio-cada-40-segundos-diz-relatorio-inedito-da-oms-13826787
Por que a imprensa não noticia suicídio: http://imprensaonante.blogspot.com.br/2011/04/entenda-o-porque-ou-nao-de-se-divulgar.html
http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorio-academico/o-suicidio-na-pauta-jornalistica/
Por que evitamos falar em suicídio? (Revista Época): http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR77277-6014,00.html
 
 IMAGEM: http://webalia.com/imgs/suicidio.gif

 
 
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 25/07/2015
Alterado em 08/05/2020
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