Dores há que não se veem
Sabe quando, de repente, uma letra de uma música não lhe sai da cabeça? Pois é, há dias que dois versos de um hino insistem em ficar se repetindo infinitamente aqui na cuca. E como é verdadeira sua mensagem: nos recônditos da alma, dores há que não se veem!
Certa vez alguém disse que cada pessoa que passa por nós está travando uma batalha invisível. Eu estou. Você está. As pessoas estão. E eu comecei a prestar mais atenção e tomar mais cuidado com as batalhas que cada um pode estar carregando. É difícil esse exercício, especialmente porque talvez julguemos nossas batalhas tão mais desafiadoras do que o do outro ou por simplesmente estarmos ocupados demais durante nossas próprias batalhas. É desafiador porque às vezes você acaba de receber uma granada nessa batalha e nem teve tempo de desativar, quando passa por você algum ferido quase sucumbindo aos ferimentos emocionais não expostos. Você está ali prestando atenção na granada e não percebe o outro quase morrendo, bem ali diante do seu nariz.
Há pessoas ao nosso lado que estão sorrindo, fingindo alegria, pois ainda acreditamos na ilusão de que basta que exibirmos alguns dos nossos dentes, com os lábios meio escancarados para mostrarmos estar felizes. Estão sorrindo por fora, enquanto talvez definhem por dentro. Repito: elas estão do nosso lado. Agora.
Quantas vezes realmente queremos resposta sincera para a pergunta: “tudo bem?” Com que frequência percebemos o outro que está diante de nós: filhos, cônjuges, pais, colegas de trabalho, alunos, amigos? Quando foi a última vez que paramos para ouvir alguém, de verdade?
Nos recônditos da alma dores há que não se veem. E talvez justifiquemos que, se elas não são vistas e se não temos bola de cristal, não podemos ser responsabilizados por não percebê-las. Mas, quantas pessoas estão quase gritando, se debatendo, suplicando bem diante de nós e passamos correndo, apressados e atarefados demais para nos dar conta? Muitas vezes, elas estão do nosso lado. Agora. E, sim, eu sei que já disse e repeti isso.
E as dores nos recônditos da alma, nos lugares escondidos, secretos, indecifráveis, são as dores mais pungentes. Algumas pessoas cometem suicídio e deixam todas ao seu redor pasmas, perplexas. Não conseguem entender como alguém que parecia tão bem, tão feliz, tão saudável, tão tranquilo ou tão qualquer outra coisa aparente possa ter cometido tal ação. Ah, as aparências! Ai, a superfície... Nos recônditos da alma, dores há que não se veem.
E não precisamos vê-las. Elas estão lá. As dores que cada um carrega talvez nunca nos serão reveladas. Nem precisam. Que tenhamos cuidado para não pisar nas feridas que essas dores causam. Talvez precisemos apenas seguir o conselho desse hino, o qual nos ensina antes desses dois versos: não me entrego a julgamentos, imperfeito sou também. Se nada mais pudermos fazer, que possamos, ao menos, colocar mais em prática esse conselho ao lidarmos com as pessoas em nosso dia-a-dia. Que comecemos com a pessoa que está do nosso lado – metaforicamente ou não. Que as dores não sejam vistas, mas que as pessoas não se sintam invisíveis e nem nós, insensíveis. Agora.