Reunião de professores. Na projeção na parede, gráfico exibem os números de possíveis reprovações daquela escola. Números altos. Por disciplina, por turma, por bimestre. Faltou apenas um gráfico fazendo esse comparativo por professor.
A pauta principal do dia dizia textualmente: conscientizar o grupo quanto à necessidade de mudanças radicais urgentes para reverter o quadro de notas baixas. Levantar propostas de trabalho para a melhoria dos resultados a curto, médio e longo prazos. Não havia alunos presentes, só professores. Portanto, o grupo que deveria ser conscientizado, obviamente, era o de professores da escola. Em outras palavras, o objetivo era promover uma discussão entre os professores para que apresentassem propostas sobre como eles iam reverter esse quadro. Sim, nós professores somos os culpados das notas baixas na escola. Sabia?
Ainda há o ranço da crença de que professor adora reprovar. Antigamente, rezava a lenda que professor bom era aquele que reprovava. Ele era temido. Todos acreditavam que professor assim que era bom. Só passavam os que realmente sabiam, dominavam a matéria. Aí, vieram os vários manuais sobre avaliação, alguns bastante razoáveis, sejamos justos. Lembro-me de ter lido em um deles a brilhante analogia feita entre professores e médicos. A questão principal era simples: se professor bom é professor que reprova, então, médico bom é aquele que mata os pacientes? Aplausos! Como não pensamos nisso antes? Parece que houve uma freada à matança dos alunos, pobres coitados, que sofriam na mão dos algozes impiedosos.
Acontece que fomos para o extremo oposto e não se questionou sobre outros possíveis fatores que levam a notas ridiculamente baixas nas escolas atualmente. E o quadro atual é desesperador. Na verdade, questiono bastante se aprovação automática não é um tipo de matança ainda pior, mas isso seria assunto para outro texto...
Parece que ninguém pensou em trazer a metáfora para o outro lado da mesa. Paciente bom é aquele que apenas visita o médico ou aquele que cumpre com as orientações que vão proporcionar sua cura? O paciente que quer se curar é o que segue à risca as orientações médicas, não é verdade? Ele faz os exercícios, cumpre com a dieta alimentar indicada, toma os medicamentos no horário certo, vai às sessões de fisioterapia ou, ainda, se submete a exames – ainda que dolorosos. O médico não produz o milagre da cura. Ele indica o que deve ser feito. Todavia, sem que o paciente queira, sem que ele se responsabilize e faça o que for orientado, não há avanços em seu quadro. A culpa é do médico?
E os alunos? Pelo que tenho visto, a maioria deles que está com notas baixíssimas, é exatamente aquela parcela que não cumpre com sua parte no processo. Vão ao médico, isto é, professor, e acham que só de vê-lo todos os dias estará curado. Por que, então, a culpa seria do professor?
Conversava com uma colega de trabalho sobre essa questão de alunos com notas baixas e ela me disse que na escola estadual onde leciona, a língua inglesa é uma disciplina na qual não há reprovação. Em sua opinião, isso pode chegar a qualquer momento no município no qual trabalhamos e, assim, seu conselho para que meus alunos não tenham notas baixas foi o de que eu “não ligue”. Praticamente disse para eu dar qualquer nota e deixá-los passar, ainda que não saibam nada.
Claro que posso fazer isso! Apenas dar notas aos alunos para que passem, sem que eles façam nada para aprender. Isso deve ajudá-los bastante, quando eles precisarem utilizar a língua inglesa na vida real. E só estou falando de uma disciplina escolar... Façamos assim com todas – parece o conselho subtendido. Posso fazer. Mas, será mesmo que devo?
Professores não ensinam apenas a “sua” matéria. Eu não “pontuo” apenas por provas e testes que avaliam o quanto o aluno assimilou ou decorou de um determinado ponto dessa matéria. E a atitude? E a responsabilidade, iniciativa, proatividade e determinação? Essas coisas entram em jogo quando passamos um trabalho, propomos a criação de um recurso, pedimos que cumpram prazos, que busquem ser criativos, que sigam com a dieta específica para a sua cura.
Pode o médico simplesmente afirmar que o paciente deve receber alta ou declarar sua cura completa? O paciente não está fazendo nada para melhorar suas condições, então, simplesmente ignoramos! Fácil prever o resultado final para esse paciente: vai morrer, ainda que o médico diga que não tem problema nenhum. E para o aluno que não cumpre também com sua parte no processo, essa morte também acontece. Temos pago preço alto demais para esse tipo mascarado de mortandade intelectual.
Por que parece tão mais difícil atribuirmos a responsabilidades mais justas a ambos os lados, seguindo a metáfora médico-paciente no espaço escolar?
Lembremos que nem os melhores médicos podem fazer milagres sem condições de trabalho e infraestrutura adequadas. Igualmente, professores precisam muito mais que apenas de um quadro e giz ou caneta para cumprir com êxito com sua parte nesse contrato. De igual maneira, lembremos que os médicos são responsáveis pela parte de orientar no processo de cura, devendo o paciente se responsabilizar por cumprir rigorosamente com as orientações recebidas.
Voltando à pauta da reunião, o grupo pode fazer uma lista imensa de sugestões, tais como, não passar trabalhos de casa (pois os alunos não farão mesmo); passar provas mais fáceis, permitir provas em grupo, deixar que os alunos colem, até mesmo dar provas já com respostas, só para garantir. Por outro lado, claro que o grupo pode propor um currículo altamente flexível. Os alunos escolheriam que matérias cursar. Poderíamos até mesmo não ter avaliação formal nenhuma – afinal de contas, quantas vezes aplicamos testes e provas já antevendo os resultados, de acordo com as atitudes, engajamento e comprometimento dos próprios alunos nas aulas?
Entretanto, ainda creio que nenhuma sugestão pode ser mais eficaz do que dizer ao paciente: se você não ajudar no processo, vai morrer. Não adianta eu lhe dar alta. Isso não vai trazer a cura para a ignorância.
IMAGEM: http://diariodopovo.blog.br/media/professor-depressao.jpg