Solimar Silva
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COPOS E CANECAS
 
            Essa época do ano em que o frio dá o ar da graça, mesmo que seja meio sem graça aqui no Rio de Janeiro, como é gostoso poder degustar a quentura de caldos, chás, chocolates em tigelas, copos e canecas!
            E assim, em um desses dias frios, enquanto preparava o chocolate quente para mim e o filhote degustarmos após um dia exaustivo para ambos, eis que a vasilha fumegante fez com que minhas memórias afetivas fossem ativadas.
            De repente, eu estava com meus seis anos na humilde casa de um cômodo só da vó Cipriana, uma senhora que morava do lado da nossa casa. Vó Cipriana tinha um filho, mas morava sozinha. Não me lembro bem o porquê. Tinha tido uma perna amputada e sua prótese era, na verdade, uma perna de pau. Como criança, não reparava muito nisso. Achava normal vê-la sempre e nem me dava conta da ausência de uma das pernas.
          Certa manhã, fomos, minha irmã mais nova e eu, visitá-la. Não me lembro bem se era costumeiro fazermos isso. Sei que bastava sair do nosso portão e darmos a volta para o portão dela. Tinha sido meu aniversário naquela semana. Então, estava ansiosa para saber o que ela ia me dar de presente. Chego a corar agora, pois eu não me dera conta do quão pobre a vó Cipriana era. Crianças...
Vó Cipriana provavelmente nem sabia que tinha sido meu aniversário. Não houve festa, nem nada. E a vó Cipriana não era mãe de nenhum dos meus pais. Não era nem da família. Mas, eu mal podia esperar que do guarda-roupa dela saísse uma imensa caixa de presente para mim. Fruto da imaginação de uma menina inocente, que também não havia ganhado nenhum presente memorável de meus pais, também muito pobres na época.
          E, então, vó Cipriana me prometeu que me daria um presente ainda naquela semana. E cumpriu com a promessa.
          O presente foi uma caneca rosa. De plástico. Pobre, simplória. De tantos presentes que já ganhei na vida, eu, menina carente, vibrei com aquela preciosidade. Uma caneca só para mim! Usei-a por anos e anos. Não me lembro de seu paradeiro, mas lembro com carinho, mesmo depois de tantos anos que a vó Cipriana partiu para outra esfera, como eu usava a caneca especial dia após dia.
          Minha caneca. Vó Cipriana. Ambas se foram sem eu entender como. Ambas vez por outra avivadas em meu coração.
Muitos anos depois daquele aniversário de seis anos, acho que no final da adolescência, minha querida avó materna, vó Lourdes, me deu um presente que me acompanhou por anos também: um copo de vidro. Rosado. Coincidência?
          O copo ficou comigo por muito tempo, até depois de eu morar sozinha e me casar. Eu bebia água, suco, chocolate quente, chá, tudo nele. Não queria saber de outra coisa. Até que, sem querer, o quebraram. E como chorei.
          Meu copo. Minha avó. Ambos morreram. Ela, antes. Quando minha avó partiu (e os cacos ficaram espalhados dentro de mim) chorei como nunca em minha vida. Copos e canecas somem ou quebram. Pessoas se vão. E nos quebram. Vira e mexe a gente ainda acha um caco, um pequeno estilhaço espalhado dentro de nós. Afinal, eles continuam aqui, na minha memória afetiva, no olhar da menina festiva. No coração da mulher que me tornei.
          Copos e canecas talvez não pareçam o presente ideal em tempos tão tecnológicos e consumistas. Mas, principalmente nesses tempos líquidos, copos e canecas podem simbolizar o amor em sua forma mais sólida e tangível.
          O chocolate quente acabou de ficar pronto. Servido? Traga seu copo ou sua caneca e vamos papear.
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 13/06/2015
Alterado em 08/05/2020
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