Solimar Silva
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SEM PÉ NEM CABEÇA
 
          Quantas vezes por dia valorizamos os nossos pés? Sim, esse par aí embaixo, meio esquecido, às vezes apertado com uns sapatos desconfortáveis. Esses dois companheiros, por vezes tão maltratados em apertos e saltos altos, atrasos e correria diária, sustentando o peso do corpo e das coisas que levamos junto a eles – não só as bolsas que nós, mulheres, insistimos em sobrecarregar com coisas de que nem precisamos, mas também levam todo o peso de um dia inteiro de trabalho. Peso do corpo e da alma.
          Eu sei que há quem tenha fetiche por pés e, portanto, eles ganham lugar de destaque na vida da pessoa. Um amigo meu disse que só se casaria com uma mulher de pés pequenos. E assim fez. Deve ter sido paixão à primeira vista... do pé! Aliás, fetiche antigo esse, não acham? Afinal, qual era o tamanho daquele pé da Cinderela para o sapato não caber em ninguém em todo o reino? Trinta e dois? Porque até eu que calço trinta e quatro me sinto o Pé-grande quando leio a história.
          Contudo, no geral, os pés, coitados, são um pouco esquecidos mesmo. Há quem vá à podóloga ou pedicure, passe creme e até faça massagem, sei. Ainda assim, cismei que eles não recebem o mesmo carinho ou tratamento das mãos, pelo menos. Esmaltes dos pés duram mais, então para quê fazer a unha deles toda semana? Cremes nas mãos são mais fáceis se serem lembrados. Anéis adornam os dedos da mão – pelo menos com maior frequência.
          Ah, os pés... esses sofredores relegados a segundo plano – até que somos obrigados a perceber sua importância.
          Foi o que aconteceu com uma amiga que ficou um semestre sem pisar no chão, pois fraturara um osso e seus pés não suportavam a dor. Uma outra, só fraturou o braço e pode trabalhar normalmente. A primeira ficou de molho em casa. Que mundo injusto, concorda? A mente estava ótima, o corpo estava em ordem... exceto pelo detalhe do pé. Como o pé poderia levar o corpo e a mente para o trabalho, suportando o peso e a dor? Não podia.
          E aí a gente se lembra que tem pé. Vai lá cuidar. Tenta até beijá-los – o que, talvez, seja tarefa hercúlea para juntas enrijecidas e circunferências abdominais um pouco mais avantajadas.
          Então, até corre (metaforicamente falando) e apela para a língua e sua inclusão dessa parte do corpo tão esquecida no dia a dia. Não dá para ficar com um pé lá e outro cá, tampouco bater o pé contrariado. Claro, as expressões não podem ser levadas ao pé da letra. Ah, mas que elas estão repletas de pés, isso é verdade. Ia até escrever uma nota de rodapé, mas acho que não precisa.
          Claro que às vezes, dá uma vontade de dar no pé quando a gente vê que, no trabalho ou em família, uma reunião ou qualquer iniciativa não vai dar pé. Geralmente, já começamos com o pé atrás. Quem nunca tentou sair de situações assim de fininho, pé ante pé ou, ainda melhor, meter o pé na tábua, antes que fosse tarde demais com tantas ideias sem pé nem cabeça sendo propostas?
          Entretanto, não dá para trocar os pés pelas mãos no trabalho. A situação anda meio difícil, principalmente se você é um pé-rapado, no meio de um pé-de-guerra de departamentos ou egos infinitos. Levar um pé na bunda nunca é agradável (mesmo que o par romântico ou o emprego não cheguem aos pés do que nossa mãe diz que merecemos).
          Claro que às vezes há algumas saídas estratégicas, daquelas que a gente dá um pé lá e outro cá – nem que seja virtualmente, enquanto está em uma reunião e no grupo do whatsapp ao mesmo tempo. Assim, parece que a gente se sente mais em pé de igualdade com aqueles que ignoram a nossa voz.
          O jeito é ter os pés no chão e fazer nosso pé-de-meia para ver se dá, pelo menos, para colocar o pé no mundo um dia desses.
          Enquanto isso, com as festas juninas chegando, vamos mesmo é meter o pé na jaca e apreciar um delicioso pé-de-moleque – nome que, para mim, faz todo sentido, pois o pé do meu moleque também é uma delícia (ainda).
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 05/06/2015
Alterado em 08/05/2020
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