Textos
O moreno e tatuagem?
Voo para São Luis. Uma senhora simpática, ao meu lado. Puxou conversa. Lá pela metade do voo, pergunta:
- Primeira vez em São Luis?
Respondo que sim e ela emenda, do nada:
- Lá predomina o moreno.
O que eu digo? Pelo tom da pergunta, aquela coisa que só a pragmática dá conta de explicar, senti que ela esperava que eu dissesse algo como:
“Ai, não! O que eu faço agora? Quero voltar!”
Resolvi ignorar o comentário.
Dois minutos depois:
- Tatuagem.
Assim mesmo. Só uma palavra, aparentemente sem a menor conexão com o comentário anterior. Sem nenhuma introdução. Sozinha. E na afirmativa: “Tatuagem”.
- Hã?
Dessa vez nem tive tempo de pensar em alguma resposta. Fui pega de surpresa.
- Predomina a tatuagem lá.
Ah, aquele mesmo tom da frase: “Lá predomina o moreno”... Devo ter feito uma cara de quem não entendeu nada.
- A moça da frente. Uma grande!
Dessa vez meneou a cabeça em direção ao banco da frente, onde uma passageira exibia uma grande tatuagem no ombro esquerdo.
Puxa, senhora, fale frases completas! Até meu filho (que na época só tinha dois anos) já falava frases mais articuladas, coerentes.
E foi então que compreendi a conexão entre os dois enunciados tão soltos. O fio condutor era apenas o preconceito. Esse que ainda está tão enraizado, cristalizado, fortalecido por aí. Às vezes, disfarçados de senhoras bondosas.
Meu marido é negro. Não tenho tatuagem, não gosto. Mas, quase mostrei a foto do maridão e emendei: quer ver a minha tatuagem também?
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 05/12/2014
Alterado em 08/05/2020
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.