Nem lanterninha?
Participei de um concurso de leitura uma vez, quando estava na quarta série. Será que ainda há concursos assim? Não tenho vistos muitos – por aqui, pelo menos. Fui escolhida para representar minha escola, juntamente com outra menina, acho que da oitava série.
Na época, fomos com a professora para uma outra escola, gigantesca. Eu parecia estar em outro mundo. Acostumada a ficar no meu bairro pequeno e esquecido de São João de Meriti e em minha escola com umas seis a oito salas, ir para Duque de Caxias, onde fica o Instituto de Educação Gov. Roberto Silveira era realmente outro mundo para aquela menina de nove anos.
No dia, lá nessa imensa e assustadora escola (em que anos depois estudei meu ensino médio), deram um livro didático para cada aluno, com um texto marcado para lermos. Fiquei feliz, pois já havia lido aquele texto que estava lá. Sabia que não ia tropeçar em palavras difíceis. Fiquei lendo, estudando o texto, ensaiando mentalmente como eu o leria em voz alta. Coração batia acelerado. Estava orgulhosa por ter sido escolhida para representar a minha escola. Estava confiante de que lia bem.
Então, começou o concurso. Todos os alunos da quarta a oitava série estavam competindo juntos. Os alunos eram chamados lá na frente lerem os textos recebidos – ali, no livro didático mesmo. Eu achei muito injusto. Eu ia competir com os grandalhões espertos (assim eu achava) da oitava série?! Eu tinha nove anos apenas e eles, catorze! Ninguém via isso, não? Então, fiquei nervosa, mas fiz o meu melhor.
Mesmo em meus poucos anos de idade, senti que o tal concurso não estava assim tão organizado. Agora posso até imaginar o diálogo de alguém da direção ou coordenação da época com algum outro colega:
- Xi... É hoje o concurso de leitura interescolar! Não separamos nenhum texto.
- Pegue ali na sala ao lado aqueles livros didáticos que estão sobrando. É só escolhermos alguns textos aleatoriamente e darmos para os alunos lerem na hora.
- Caramba! Que bom que você teve essa ideia genial!
Pois é, mas acho que eles esqueceram que também deveriam fazer alguma separação por faixa etária ou série...
Ganhou alguém da oitava série de um colégio que não era o meu. Não me lembro se teve segundo e terceiro lugares. Todavia, eu me recordo muitíssimo bem da sensação de que uma injustiça havia sido cometida. Afinal, eu fora a única aluna da quarta série a competir com todos aqueles alunos!
Mas, minha ânsia infantil e inocente ainda esboçou esperança quando estava com a professora, lá no ponto de ônibus, quando retornávamos para a minha escola. Perguntei se eu havia ganhado alguma coisa. A resposta seca da professora ecoa até hoje: Não ganhou nem para ser lanterninha.
Eu sequer conhecia a expressão. Mas, o tom da voz foi bem claro. Aquele tom me agrediu, dizendo que eu era estúpida demais para a competição. Aquela expressão (agora eu a conheço) dizia que, se isso fosse possível, eu sequer seria a última se houvesse mesmo um ranking com todos os alunos participantes.
Sobretudo, aquela professora perdeu uma excelente oportunidade de se tornar marcante, de forma positiva. Ela poderia ter servido de luz, ainda que de lanterna, para aquela menina de nove anos, para a “aluna” (ou como significa a palavra, aquela sem luz). Ela poderia ter iluminado. Mas, preferiu contribuir com a escuridão.
Que sirvamos de luz. Mesmo que sejamos lanternas, aquela luz vermelha sinalizadora no final dos trens, localizadas no último vagão para indicar o fim da composição. Quem sabe quem estiver ainda além da lanterna, abaixo do último ou simplesmente vindo depois, poderá enxergar essa luz e conseguirá seguir adiante. Simplesmente porque brilhamos e fazemos os outros brilharem.