Solimar Silva
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Textos
Quem tem medo do lobo mau?

 
          Meus amigos de matemática que me desculpem (talvez seja só minha ignorância), mas na escola eu aprendi que a matemática era o verdadeiro lobo mau das criancinhas. Para mim, era o lobo mau, lobisomem e bicho papão. Tudo junto.
          Na terceira série, me enrolei toda com a tal da conta de dividir por dois. Eu, até então a menina mais fofa do planeta com notas lindas no boletim, tirei um zero no teste. Zero. Minha mãe foi chamada na escola e tudo para dizer o que estava acontecendo. Sim, a nota baixa foi na escola, mas minha mãe teve que explicar se estava havendo brigas em casa, se ela estava se divorciando, se alguém tinha morrido, ou seja lá o que for que isentasse a escola de sua parte no meu fracasso.
          Esse meu teste foi quase parar em uma moldura em casa. Nunca fizeram moldura para as notas dez. Preferimos reforçar o fracasso, apontar, humilhar. E acho que meu ódio pela matemática aumentou um pouco com esse episódio.
          Mas, a coisa piorou a partir da quinta série. Professora Romilda era daquelas que davam medo nos alunos. A gente quase nem respirava em sala. Mas, cadê que eu entendia? Fazia contas, resolvia problemas, suava frio. Às vezes acertava, muitas vezes errava. Comecei a acreditar que acertava mais por sorte. Passei na média, para não ficar reprovada. Naquela época, se você ficasse reprovado em uma matéria, tinha que repetir o ano todo. Nem queria imaginar ter que ver tudo de novo, em especial a tal da matemática.
          No ano seguinte, em uma nova escola, ainda mais funesto. O professor se chamava Waldir Severo. E o cara era severo mesmo. Alto, magro, com olhar de Frankestein. Silêncio sepulcral na turma. Ele sentava na beirada da mesa, fitava-nos com uma expressão medonha e, de repente, apontava quem deveria ir ao quadro resolver um problema. Às vezes, tínhamos sorte de ele mandar-nos ao quadro por fileira. Então, contávamos quantos estavam na nossa frente e, assim, víamos qual era o exercício que cairia na nossa vez. Dava tempo para pedir socorro a algum colega caso não tivéssemos feito ou para conferir se estava tudo certo.
          Certa vez, nos ataques de surpresa, eu fui a contemplada para fazer o exercício. Sorte (lembra que comecei a achar que acertava só na sorte?) que eu havia entendido o problema e fui me sentindo a felizarda por ter sido escolhida para aquele exercício. Mas, não fui sem temer a presença do professor. Eu sempre fui tímida. E, afinal, matemática era o lobo mau.              Quem não tem medo do lobo mau? Para piorar, no meio do raciocínio, eu lá com o giz, fazendo a tarefa, o professor pergunta: está com medo, menina? Sim, eu estava apavorada. Mas, apesar de tímida e franzina, tinha uma qualidade: admitir fraqueza jamais! Então, disse ao professor: “Medo? Eu??? Por quê?” E ele retrucou: “Me dá aqui a sua mão!” Não sei se ele ia ver se tinha cola ou se era para ver se estava fria. Eu não tenho mãos frias quando fico nervosa. Posso ter taquicardia, piripaque, ataque de riso, ficar imóvel, falar besteira, qualquer coisa, menos ficar com a mão fria. Então, ele diagnosticou: “É, você não está mesmo com medo. Você entendeu o exercício”. Suspirei aliviada e voltei feliz para o meu lugar. Não ia dar tempo de eu ser chamada novamente ao quadro.
          Depois de passar em matemática na sexta série (sétimo ano) com médias de cinco e seis pontos, estava pronta para ficar perdida no sétima série (oitavo ano). Afinal, as dúvidas estavam só se acumulando. A professora, Lúcia Helena, se não me falha a memória, era ótima. Ela explicava muito bem. Havia momentos em que até eu entendi a explicação! Achava uma delícia fazer os exercícios, principalmente porque no final as respostas batiam com a correção dela. Por um momento cheguei a pensar que eu tinha jeito para essa coisa de matemática. Claro, outras tantas vezes eu me via perdida com os exercícios. Mas, os momentos em que eu acertava haviam aumentado consideravelmente. Isso até me dava uma certa esperança.
          A grande prova de fogo foi um provão que a professora Lúcia marcou para um sábado. Manhã inteira. Duas turmas no auditório da escola. Provas entregues em estilo de concurso público: prova e cartão resposta. Como me dediquei. Fiz todos os cálculos, achei todas as respostas, marquei o cartão-resposta com atenção para não marcar nada errado. Saí de lá, quase no final da manhã e olhei aquele céu azul, lindo, com sol brilhando. Tinha certeza de que tinha tirado, pelo menos, um oito na prova. Nota mais que merecida. Afinal, tinha estudado tanto. E havia tanto tempo que não tirava mais que seis e meio em matemática. Sim, eu merecia a nota!
          Duas semanas depois, veio a nota. Um e meio. E a certeza: matemática não era para mim. Eu tenho medo do lobo mau.
 

 
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 25/07/2014
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