Solimar Silva
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Textos
Professora, você nunca colou?

          Uma das perguntas que os alunos mais me fazem é se eu nunca colei. Geralmente essas perguntas surgem justamente no dia da minha prova, quando flagro alunos colando. Primeiro eu aviso para a toda a turma: “Pessoal, façam as suas preces em voz baixa. Estou ouvindo daqui.” Ou digo algo como: “Prometo a vocês que a resposta não está nas paredes, então, parem de olhar para todos os lados, tá?”
          Sou boazinha. Deixo o aluno sair da sala para lavar as mãos, braços e pernas com cola, para ele não ficar com zero. Pego o papelzinho e jogo no lixo, claro, diante do olhar de quem acaba de perder o bilhete premiado da loteria. Só em casos mais “graves” eu dou o tal do zero. Até porque, depois tenho que dar outra chance de recuperação para o indivíduo. Então, que seja logo.
          Mas, a pergunta é inevitável. Principalmente para aqueles pegos em flagrante: Ah, professora, quer dizer que a senhora nunca colou? Eu conto para eles, mas eles não acreditam. Então, resolvi deixar publicado. Da próxima vez que me perguntarem, já entrego o texto. Pelo menos o menino ou a menina vai ter que ler para descobrir.
          O que sempre falo para eles é o seguinte: Primeiro, quando criança, eu ficava vermelha à toa. Se o professor olhasse na minha direção, eu já ruborizava instantaneamente – mesmo sem fazer nada errado. Imagine a cor que eu ficaria caso estivesse com uma cola e o professor só olhasse para mim. Acho que se ele caminhasse na minha direção eu ia engolir a cola. Isso significa que, se ela estivesse na carteira escolar, eu teria que engolir a mesa e tudo. Então, para evitar danos à saúde, eu não colava.
          A essa altura os alunos já estão rindo e dizendo que só posso estar mentindo.
        Para não dizer que nunca colei, lembro de três momentos distintos. Um na antiga quarta série, outra na oitava e a última no primeiro ano do então segundo grau (Ensino Médio).
          Na quarta série, eu tinha uma melhor amiga. Íamos para a escola juntas, morávamos próximo uma da outra, fazíamos os trabalhos juntas e comparávamos as nossas notas depois das provas. Em um determinado bimestre, combinamos que precisávamos ajudar mais uma a outra no dia da prova. Sentamos na última fileira. Ela atrás de mim. Com meu cabelo comprido, julgávamos que seria fácil uma passar cola para a outra em caso de necessidade.
          Então, depois de uns vinte minutos de prova, havia uma questão que eu não sabia a resposta. Escrevi em um papelzinho. No mesmo instante em que penso em pedir ajuda a ela, enviando o papelzinho, ela cutucou meu ombro. Precisava de alguma ajuda para a prova também. Então, aproveitamos o momento e trocamos os papéis ao mesmo tempo.
          Abri nervosamente o papel e nem sei como não caí na gargalhada. A questão que ela pedia era exatamente a mesma que eu acabara de enviar para ela, pedindo socorro. Então, decidi naquele dia que não valia mesmo a pena colar. E nunca mais colei desde então.
          Mas isso foi na quarta série. Mantive minha decisão por todos os anos seguintes, ficando com minhas notas altas ou baixas por mérito próprio. Mesmo na oitava série, quando fiquei doente o bimestre inteiro e retornei no dia da prova de química. Não fazia a mínima ideia sequer do que era para resolver. Assinei o nome e entreguei. Meus colegas me criticaram, dizendo que todos estavam dispostos a me ajudar, pois sabiam que eu havia perdido a matéria toda. Eu ficaria vermelha, argumentei. O professor ia descobrir. Então, resolvi melhorar a nota no bimestre seguinte e assim segui até que, no final do ano, fiquei na prova final de matemática.
          Olhei para a sala e pensei: “Se esse povo está aqui deve ser tão burro quanto eu. Agora é que não adianta nem tentar colar”. Fiz a prova, entreguei à professora e ela deu uma olhada e disse que faltaria ainda mais um ponto, indicando as questões que estavam erradas. Sentei novamente desejando ter uma bola de cristal que me mostrasse onde eu havia errado nos cálculos caprichados que havia feito. Foi meu colega, o Dionísio, quem me salvou. Ele também havia voltado para tentar conseguir uma nota melhor. Uma olhadela rápida em nossas provas mostrou que algumas das questões que ele havia acertado eu tinha errado e vice-versa. Podíamos fazer uma excelente permuta. Mas, só trocamos respostas de apenas uma dessas questões. Era o ponto de que precisávamos. Um favor de um para o outro, que jamais viríamos a utilizar equações do segundo grau em nossas vidas futuras...
          Entretanto, nada foi mais marcante e definitivo para eu desistir da cola do que minha experiência no primeiro ano do segundo grau, atual Ensino Médio. Ingressei na turma com uma amiga que estava quatro anos sem estudar. No primeiro bimestre, o professor de matemática (olha o destino!) fez uma revisão de boa parte do conteúdo que eu havia visto no ano anterior.
          No dia da prova bimestral, minha colega estava perdida. Eu, que no oitavo ano passei com uma média irrisória, estava me sentindo uma grande expert em matemática. Fiz minha prova em poucos minutos. Só havia uma questão que eu não sabia. Copiei todas as respostas da minha prova e passei para a minha amiga, deixando em branco apenas a questão que eu não sabia.
          Uma semana depois o professor devolveu as provas. Minha amiga tirou dez. Eu, oito. A questão que eu não sabia era a única que ela sabia. Todavia, ela não me passou a resposta. Daí, sim, nunca mais colei nem dei cola.
Finalmente aprendi que o crime não compensa.

 
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 12/07/2014
Alterado em 13/07/2014
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