Duas escolas tão diferentes da primeira
Quando terminei meu primeiro ano na Organização Cultural Monteiro Lobato, eu não sabia, mas meus pais não tinham mais condições de me manter em uma escola particular. Aliás, não tinham sequer o dinheiro para pagar o histórico escolar. Imagino quantas coisas tiveram que abrir mão para que pudessem bancar as mensalidades daquele ano.
Então, ingressei em uma escola pública que ficava em uma rua de barro, que fazia um tremendo lamaçal quando chovia. Minha sorte é que fiquei apenas uns dois meses por lá, se é que cheguei a tanto.
Em seguida fui para outra, a Escola Estadual Vera Cruz, em São João de Meriti. Escola pequena. Tinha apenas umas sete ou oito salas, não me lembro bem. Aliás, uma coisa interessante é que minhas lembranças mais marcantes desse início na escola incluem sempre a ideia de um tempo nublado, suco de groselha ou algum leite sendo entregue no início da manhã, antes do recreio e a merenda e um almoço servido por volta das dez da manhã. Eu achei aquilo estranho na primeira semana, mas como saía de manhã tomar o desjejum, passei a ansiar cada vez mais pela hora da merenda.
Entretanto, o que mais me marcou naquele início com o troca-troca de escolas é que, embora meus pais ou qualquer outra pessoa não me falassem nada, eu sentia muita diferença entre a escola anterior e essa em que eu havia ingressado.
Primeiro, reclamava sempre com minha mãe que o dever era muito fácil. Eu estava na segunda série (terceiro ano atual) e, embora tivesse cursado o CA e primeira série em um ano, já que eu havia entrado na escola já alfabetizada, sentia que os professores estavam passando matéria que eu já dominava. Queria mais desafio. Não encontrei.
Além disso, minha amiga Luciana havia ido para outra escola particular e, quando a visitava, eu via seus livros de qualidade tão superior aos que eu recebia na escola estadual do início da década de oitenta que não precisava ser um especialista no assunto para perceber a diferença gritante entre eles. Eu via que eram mais “puxados” dos que os meus. Por um bom tempo, eu ficava angustiada com a ideia de que eu ficaria para trás em termos de conhecimento. E esse sentimento me deixava angustiada.
Anos depois, ao assistir ao documentário Pro dia nascer feliz, não pude deixar de relembrar essa angústia. No documentário, os alunos de escolas de elite falam sobre seus planos de ir para uma faculdade e parecem estar direcionados para isso o tempo inteiro, seja pela família ou pelas escolas onde estudam. Nas escolas públicas, isso não parecia ser o foco tão forte. Muitos precisavam encarar o mercado de trabalho, ganhar dinheiro para ajudar a sustentar a família, talvez. Os objetivos acadêmicos, menos prioritários.
E eu vi ali refletido o medo que eu sentia aos sete anos. Sentia que meu direito de estudar era menos direito do que daqueles que poderiam arcar com os estudos em boas escolas particulares. Minha “sorte” é que sou fruto de uma época em que as escolas públicas ainda eram consideradas de excelente qualidade e que os pais valorizavam os estudos, ainda que fosse como caminho para a ascensão social.
Hoje o fosso entre as duas pode estar ainda maior, o que podemos perceber nos resultados de provas como o ENEM, por exemplo, em que pouquíssimas escolas públicas despontam entre as melhores.
E, em uma visão simplista, culpam os professores. Esquecem das condições de instalação, materiais pedagógicos, tempo e, sobretudo, do próprio público que essas escolas recebem. Em uma sociedade em que questiona tanto o porquê de se estudar se há várias maneiras de se conseguir dinheiro – como se cultura e finanças tivesse uma ponte de ligação direta – começamos cada vez mais a ter duas escolas deveras diferentes entre si. Ainda se o professor for o mesmo...
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 12/07/2014
Alterado em 13/07/2014