O que é um bom aluno?
Minha primeira amiga, lá na minha primeira escola, era boa em tudo. A Luciana era organizada, caprichosa, educada, tinha letra bonita, jeito para as coisas, boas maneiras, enfim, era um encanto. Não tinha ideia naquela época, mas hoje eu consigo imaginá-la como aquelas meninas fofas que toda professora gostaria de ter em sala. Sabe aquela criança que você sonha que seu filho seja igual? Então, a Luciana devia ser essa menina. Tanto que, quando a tia Penha (por coincidência, o nome da mãe da minha amiguinha) casou-se, eu soube que ela foi escolhida para ser dama de honra.
Eu não sei exatamente como era vista pela professora. Eu sei que tinha uma letra grande demais, espalhafatosa, falava muito – e alto. Não era muito caprichosa. Claro, sempre copiava os deveres, aprendia rápido, fazia todas as tarefas de casa, lia bem, mas, capricho mesmo... não. Meus cadernos, por exemplo, sempre tinham uma orelha ou outra. Aliás, eu nem conseguia entender como o caderno da Luciana conseguia estar sempre lisinho, sem uma dobra. Nós tínhamos seis anos! Nem uma folhinha dobrada?
Até hoje me pergunto porque eu é que fui para o lado verde (onde a matéria era mais fácil) quando a Luciana e eu estávamos conversando tanto em sala. Acho que para ser justo, deveria mandar as duas meninas tagarelas, uma em uma ponta e outra na outra – já que, para nós, estar no lado da sala que representava os mais morosos no aprendizado era um grande castigo. Mas, até entendo. Acho que a Luciana era mais comedida e discreta. Talvez eu estivesse fazendo maior estardalhaço, pois falava alto.
Mas, a questão toda era que, apesar de não corresponder à expectativa de aluna organizada e bem comportada, eu era uma boa aluna. E a tia Penha, ainda bem, reconhecia isso. Tanto é que no final do ano, na nossa esplêndida formatura, com direito a beca e discurso, eu fui escolhida por ela para ser a oradora da turma. Falar era comigo mesmo!
Infelizmente, não me recordo que palavras foram proferidas naquele discurso feito aos seis anos, meu primeiro de muitos. Mas, me recordo do que minha mãe contou quando recebeu o boletim, um pouco antes da cerimônia.
Ela conta que abriu o boletim e quase teve um trecho. Olhou tudo de alto a baixo e lá estava estampado um zero bem grande. Não lembro as matérias, mas imagino que ela viu: Leitura – 0; Escrita – 0, Matemática – 0, Comportamento – 0, e assim por diante. Minha mãe ficou lá, parada por alguns segundos, provavelmente se sentindo a pior mãe do mundo, pois não acompanhara a tempo o desenvolvimento da filha. Daí, conversando com a outra Penha, mãe da Luciana, reparou no boletim aberto, com uns MBs, Bs e Rs e pouquíssimos zeros. Sentiu-se ainda mais desolada. Até que reparou na legenda do boletim: não eram zeros, eram Os de ótimos. Respirou aliviada.
Agora, tento sempre reparar nos meus alunos. Nem sempre serão os perfeitinhos a terem melhor desempenho. Mas devemos estar dispostos a olhar para além dos rótulos que algumas vezes damos a eles. Já vi muito aluno “sujinho”, “largado”, quase desacreditados neles mesmos, dando grandes mostras de criatividade e mentes brilhantes. Precisamos olhar par eles com mais atenção.
Obrigada, tia Penha, por uma das lições sobre como ser professora.