Solimar Silva
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Textos
A primeira escola
 
     Quando eu tinha cinco anos, ansiava ir para a escola. Naquela época, precisávamos esperar bastante tempo para isso. Aliás, acho que as crianças de cinco anos hoje em dia já estão cansadas da escola nessa idade. Tive que esperar até os seis anos, o que me pareceu uma eternidade. Afinal, achava que já ia estar muito grande com seis anos de idade!
     Mas, antes de entrar para a escola, tive minha primeira professora alfabetizadora. Em casa. E com um método pedagógico que, imagino eu, devia ser bastante inovador. Anos depois eu o batizei de Método do Amendoim ou Beliscão.
     Era simples, vindo de uma educadora que não possuía sequer o ensino fundamental completo. Estudara apenas o correspondente à primeira fase do ensino fundamental, mas se esforçava para que os filhos tivessem a educação formal que lhe fora negada. Ela fazia o A no papel e falava, A. Eu repetia. Depois ia para outra letra e outra e assim por diante. Daí ela apontava as letras aleatoriamente e eu tinha que dizer que letra era aquela. Quando eu acertava, ganhava um amendoim, mas, se eu errasse, era um beliscão que eu recebia no meu braço. Aprendi bem rápido com esse método!
     Todavia, sua segunda aluna, minha irmã, parece não ter se adaptado ao método. Quando recebia o beliscão, danava a rir e tirava minha mãe do sério. Morreu aí o Método do Amendoim ou Beliscão.
     Mas, pelo menos uma pupila havia aprendido e assim, entrei para a escola já alfabetizada. Conhecia muito bem as letras. Ainda me lembro de uma das primeiras palavras que decodifiquei sozinha: Belmonte. A marca do cigarro que meus pais fumavam na época.
     Então, aos seis anos, finalmente fui para a minha primeira escola: Organização Cultural Monteiro Lobato. Eu achava o nome lindo. Não tinha a mínima ideia sequer de que Monteiro Lobato era uma pessoa. Achava que aquele nome pomposo todo era o nome da escola e pronto.
Onde você estuda? Na Organização Cultural Monteiro Lobato. Eu me sentia muito importante, mal sabendo que morava em uma região pobre e que aquela escola particular só poderia ser bancada por meus pais naquele ano com aquele sacrifício que os pais fazem para dar a seus filhos o que eles não puderam ter em sua infância.
     No primeiro dia de aula, eu madruguei e pedi que minha mãe me arrumasse. Camiseta branca e uma “jardineira” quadriculada branca e azul, com meu nome bordado no bolso da frente. Hoje imagino o trabalhão que minha mãe tinha para passar aquela saia de pregas. Ficava perfeito. Maria Chiquinha para completar o visual e uma merendeira enorme.
     Achei estranho quando cheguei lá no primeiro dia e vi um monte de crianças chorando ao se despedirem das mamães. Um bando de bebezões, foi o que eu pensei. E, juro, pensei mesmo. Eu me perguntava por que choravam. Eu não via a hora de poder entrar e explorar aquele novo espaço. Além disso, daqui a pouco as mães iam voltar e tudo. Disse tchau para a minha mãe e entrei. Agora que sou mãe, eu me pergunto se foi ela quem chorou no meu primeiro dia na escola.
     A escola era enorme. Tudo diferente. Não me lembro muito da primeira aula. Nem das outras, claro. Mas lembro que minha primeira melhor amiga era a Luciana Pereira Pinto. Nossa, era um amor verdadeiro. Dizíamos a todos que éramos irmãs. Gêmeas. E ríamos muito quando acreditavam. Achávamos os alunos das outras séries uns bobos por acreditarem na gente. Agora fico imaginando o quanto eles foram generosos em fingir que acreditavam mesmo.
     Luciana e eu dividíamos a merenda, trocávamos nossos enfeites de cabelo, conversávamos em sala, e fora de sala, e na casa dela, depois que nossas mãe fizeram amizade.
     A professora era a tia Penha. Séria e dedicada. Tomava a lição, fazíamos leitura em voz alta para ela e nos dava uma chave feita de papel laminado. Eu colava no livro toda orgulhosa. Só depois é que fiquei sabendo que era para colecionar as tais chaves. Tarde demais. Estavam todas coladas.
     Não sei a partir de quando foi, mas o fato é que havia uma divisão na sala. A professora colocou alguns alunos de um lado e outros de outro. Não podia sair do seu lado. O quadro era dividido ao meio: lado esquerdo era o lado azul – o meu lado; lado direito era o lado verde – o lado dos alunos mais vagarosos, pois os deveres eram todos fáceis. Estava em uma sala multisseriada, mas não fazia a mínima ideia disso naquela época.
     Certa vez, como a Luciana e eu conversávamos muito em sala de aula, a professora me colocou no lado verde. Não entendi por que não colocou as duas, já que ambas estávamos falando. Lembro que me sentei lá no lado verde, copiando aqueles deveres fáceis e chorando até não acabar mais. Pensei que ia ficar ali para sempre.
     Creio que a professora não se dava conta que a gente já sabia há muito tempo que o lado verde era dos que estavam ainda fraquinhos na escola. Aquilo era humilhante. Mas, no dia seguinte, para minha alegria, estava de volta ao lado azul. Ufa!
     Fiquei imaginando como se sentiam os colegas do lado verde. Entramos todos juntos para a mesma sala e, de repente, eles nem desconfiavam o porquê, foram ficando para trás, para trás... A boa professora tinha que se desdobrar para dar conta de tamanha diversidade de saberes com o conhecimento que possuía naquela época. Talvez nem soubesse que muitas daquelas crianças percebiam, ainda que não soubéssemos nomear tecnicamente, que o que havia ali era como se fosse um apartheid, uma exclusão gritante, ainda que velada. Ninguém explicara aos alunos o porquê de haver o lado azul e o lado verde. Mas nós sabíamos.
     Lembro-me que foi assim, aos seis anos, que comecei a desconfiar da escola e suas “boas” intenções...
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 29/06/2014
Alterado em 13/07/2014
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